sexta-feira, 20 de maio de 2011

Quem Governa?

Artigo de: Pedro Lomba - Jurista (Extraído do Jornal O Público, 26/04/2011)

            Em 1933 a maioria dos alemães entregou o poder a um obscuro cabo austríaco que tinha escrito antes um livro paranóico e racista. Nos anos seguintes, essa mesma maioria foi arrastada, silente e inerme para a maior cegueira política e colectiva em que o povo esteve envolvido. Entre 1917 e 1989 os russos suportaram a purga, o crime e a miséria de um regime que se proclamava avançado e democrático. Durante a segunda metade do século XX milhões de pessoas nos países de leste também aguentaram com ilimitada paciência regimes corruptos e fantoches do comunismo soviético.
            Quando alguém lamenta a letargia e o alheamento dos portugueses, como agora se tem feito, fico a pensar se conhece a Historia da Europa, Isto para ficarmos apenas pela Europa. Por toda a parte o povo sempre escolheu e legitimou maus governos e maus governantes. Por toda a parte foi conivente com eles (pelo voto ou pelo silêncio), enganou-se ou deixou-se enganar, acordou demasiado tarde. A democracia chegou a más horas em muitos outros sítios e o discernimento popular nunca foi, e não continua a ser, a virtude mais bem distribuída do mundo.
            A crise e a extrema renitência de uma parte do eleitorado em condenar expeditamente Sócrates (que sem dúvida o merece) por nos ter atirado para a bancarrota ressuscitaram agora esse discurso auto-culpabilizador. No fundo, devemos perceber que, se somos vítimas, é em primeiro lugar de nós próprios, da nossa indolência e cobardia; e sobretudo da indolência e cobardia de outros que se recusam a ver aquilo que nós vemos. Nem sequer falta a citação literária – do inevitável Guerra Junqueiro – que por estes dias tem circulado como  uma praga: “um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora (…)”.
            Como é que um país que tem a nossa tradição de emigração pode ser visto como “resignado e imbecilizado”, eis uma dúvida que naturalmente me assalta. Mas e essencial não é isso. O essencial é que, se queremos mesmo uma mudança de governo e a condenação dos responsáveis, a começar por Sócrates, não basta censurar metade do país por não conseguir ver o que nos parece evidente.
            Ciclicamente, somos presenteados com este exercício vagamente determinista que consiste, no epicentro a crise, em formular uma espécie de culpabilidade e responsabilidade colectiva, que também serve para isentar responsabilidades individuais. Dia 25 de Abril os ex-Presidentes, apesar das críticas que também fizeram aos partidos, censuraram a passividade dos cidadãos e uma sociedade civil adormecida.
            É compreensível que antigos políticos que procuraram o cargo mais pedagógico do regime, aproveitem discursos oficiais para fazer pedagogia. Mas os políticos que nos governam ou que têm aspirações a fazê-lo devem pensar que não estão a agir no mesmo mercado da pedagogia dos nossos senadores. Nestas eleições têm de se concentrar em explicar por que é que temos razões para creditar neles, ou para não ter medo deles. Não devem esperar em ganhar eleições em silêncio, como sempre se ganha eleições por cá, ocupando o vazio deixado por outros. Nem, em nome do espírito de consenso e unidade que actualmente reinam, ou apelando para uma união de todos, cometer o erro de pensar que nada do que eles dizem tem importância.

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