sexta-feira, 15 de julho de 2011

Carta ao Vinicius 2011

Há 40 anos que te leio, te ouço e te canto. Desde a adolescência, sigo os teus passos. Lembro-me tão bem de te ver na televisão (dizia-se assim quando era um só canal, a preto e branco), trazendo cor com as tuas palavras, poemas e canções, a um país tão triste e cinzento. Lembro a histórica gravação em casa de Amália Rodrigues num serão com Natália Correia, David Mourão-Ferreira e José Carlos Ary dos Santos, em 1968. Lembro como o Operário em Construção se tornou hino nos meus tempos de activismo estudantil (72/73) e de militância revolucionária (74/75). Clássica na sua modernidade, a tua poesia desceu do Olimpo a que só os intelectuais têm acesso e passeou-se pelas ruas, foi à praia, vadiou pelos bares, bebeu cerveja olhando o balanço do andar das garotas que passavam. São teus os mais belos poemas que de amor em português se escreveram depois de Camões. Fizeste da Língua a tua Pátria e, pela tua mão, o lirismo lusitano viajou mundo. A tua poesia deu o tom a Jobim para compor canções que são hoje património da Humanidade. Mas, mais do que do mundo, são meu património afectivo, companhia dos bons e maus momentos, banda sonora de uma vida que, sem os teus poemas, a música do Tom Jobim e a voz e violão do João Gilberto seria menos ensolarada e mais vazia. Como já referi, ninguém, depois de Camões, cantou como tu o amor: o amor que disseste ser chama eterna enquanto dura. Ninguém como tu amou tão absolutamente as mulheres e lhes foi tão absolutamente fiel na infidelidade. Homem de todos vícios (palavra construída com os sons iniciais e finais do teu nome), bebeste intensamente os teus quase 67 anos de vida (há só uma, lembras-te?). Deixaste o palco quando todas as luzes se apagaram, em 9 de Julho de 1980. Nesse dia, senti que qualquer coisa também se apagava dentro de mim e fiquei triste. Chorei-te, poucos dias depois, na Festa do Avante, ouvindo os teus amigos do MPB4, o Chico Buarque, o Edu Lobo e a Simone cantando-te e falando de ti. Depois, em Agosto, no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, na cidade maravilhosa, vi o público todo emocionar-se num concerto do teu parceiro Baden Powell quando a tua imagem surgiu no ecrã e um poema se ouviu. Ainda nesse mês, no Rio, bebi à tua saúde um chopp gelado em Ipanema, no bar que tem o nome da Garota, e vadiei pela rua que tem o teu nome. E continuei a ler/ouvir os teus poemas e canções, sempre. Quando estreou o filme do Miguel Faria Jr., fui logo vê-lo e comovi-me intensamente. Estavas lá todo, desnudado, com todos os vícios que cabem na palavra Vinicius, com todo o amor e toda a dor que cabem numa vida bebida intensamente até ao fundo. E estavam estórias, tantas estórias, contadas pelo Chico, pelo Caetano, pela Bethânia, pelo Gil pelo Toquinho, pelo Edu Lobo pela Tónia Carrero, pelo Ferreira Gullar e  tantos outros. E estavam as canções, tantas canções, cantadas pela Adriana Calcanhotto, pela Olívia Byington, pelo Zeca Pagodinho e tantos outros. E estavas tu, falando de poesia, de amor, dos amigos, da boémia das noites do Rio. Gostei muito, muito. Gostei tanto que tive de levar o filme para minha casa onde está ao lado dos livros, das cassetes, dos vinis e dos cds que te me fazem ouvir. Mas quando se tem uma coisa de que se gosta muito, sente-se necessidade de a partilhar. E por isso, e também porque hoje é sábado, escrevi este texto.

Saravá, poetinha.

José Coimbra Barbosa

P.S. O título é inspirado no nome da lindíssima canção Carta ao Tom 74 de Vinicius de Moraes e Toquinho.

Sem comentários:

Enviar um comentário