quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Stop motion

          O sangue que preenche os vasos sanguíneos das minhas mãos é diferente quando estou a escrever – pelo menos, é assim que gosto de pensar. Se eu fosse poeta, descreveria esse acontecimento comparando-o com as monções que se entranham na terra seca e rasgada das savanas africanas definhadas pelos áridos meses de escassez. Se eu fosse um escritor descarado, descrevia-o como uma espécie de erecção, de onde brotam palavras a disputar um lugar no papel para exprimir o que me vai na alma. Entretanto, há sempre um pequeno instante que antecede este acto, e antes disso, um pensamento. Existe um grande espaço entre as melhores memórias e as maiores emoções, que preenche o intervalo entre cada palavra, cada suspiro, cada batimento cardíaco; existe indubitavelmente e não é vazio! O “vazio” é uma palavra simbólica, não existe. É a massa que liga o pensamento à acção e compõe a maior parte da vida. E apesar de nem sempre gerar som ou imagem, impõem-se sobre o produto final de uma retrospectiva evidenciada geralmente pelos momentos mais marcantes de uma história. A vida torna-se menor quando é revista em slides.
            Existe tanta acção entre cada movimento, tanta esperança e trabalho antes de cada vitória, dias esquecidos que guardam sorrisos, lágrimas, esforços, prazeres, sonhos, aromas, sabores… O que é que sobra quando definimos equivocados o que parece ser importante? – Um conjunto de fotogramas repetidamente recordados em sequência para dar algum sentido à vida; unidos para criar um enredo, cujo resultado, por vezes, assemelha-se a um curta-metragem produzido em stop motion à luz da memória e uma infinidade de recordações com imagens e textos explícitos repletos de entrelinhas esquecidos num porão escuro que se degrada no mesmo ritmo do seu autor.
            A vida é musa, é sangue, é desejo! É excitantemente promíscua ao unir os bons e os maus; só se importa com a sua própria sobrevivência, fazendo de todos os seus amantes, meros personagens de um filme maior. Por fim, indiferente, deixará a todos sem dizer adeus, ávidos e apaixonados, até ao último momento.  

Renato Baetz Córdoba
cronicas.up@gmail.com

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